Quando um time domina o que entra e o que sai do fluxo de trabalho, produtividade e qualidade deixam de ser sorte e viram rotina. É aqui que brilham dois termos simples — Definition of Ready (DoR) e Definition of Done (DoD) — capazes de reduzir retrabalho, aumentar previsibilidade e elevar a moral do time. Este artigo explica, motiva e dá passos práticos para aplicar essa disciplina com clareza no seu departamento.
O que é Definition of Ready (DoR)?
A DoR é o checklist de entrada: os critérios mínimos para que um item (história, bug, spike) seja considerado “pronto para começar”.
Se algo falha aqui, o time começa no escuro — e paga o preço depois.
Exemplo de DoR (ajuste ao seu contexto)
- Objetivo de negócio claro e valor esperado descrito.
- Critérios de aceitação escritos em formato testável (ex.: Gherkin ou Given/When/Then).
- Escopo e limites definidos (o que não será feito agora).
- Dependências mapeadas e viáveis (design, API de terceiros, dados).
- Protótipos/UX aprovados quando aplicável.
- Riscos conhecidos e plano de mitigação inicial.
- Métricas de sucesso (ex.: conversão, tempo de resposta, NPS) definidas.
- Estimativa e tamanho adequados ao Sprint (ou fluxo contínuo).
- QA/Segurança cientes de cenários especiais (ex.: LGPD, PII).
Benefício: o time começa com menos interrupções, menos dúvidas e menor variabilidade.
O que é Definition of Done (DoD)?
A DoD é o checklist de saída: o que precisa ser verdade para considerar o item realmente concluído. Não é “codado”, é “entregue com qualidade”.
Exemplo de DoD (ajuste ao seu contexto)
- Critérios de aceitação validados e 100% verdes.
- Testes automatizados (unitários e/ou integração) cobrindo caminhos críticos.
- Revisão de código realizada e feedback aplicado.
- Segurança/Compliance checados (ex.: OWASP top 10 relevantes).
- Observabilidade: logs, métricas e alertas preparados.
- Documentação essencial atualizada (README, ADR, contrato de API, change log).
- Feature flag (se existir) configurada e plano de rollback definido.
- Performance mínima validada (ex.: p95 de latência ≤ X ms).
- Deploy realizado no ambiente-alvo ou pronto para release (conforme estratégia).
- Comunicação feita: release notes para suporte/CS e stakeholders.
Benefício: menos “quase pronto”, mais entregas que não voltam como incêndio.
Por que aplicar DoR e DoD de forma clara?
- Redução de retrabalho: problemas descobertos cedo custam menos.
- Previsibilidade: critérios padronizados tornam estimativas e prazos mais confiáveis.
- Qualidade consistente: o time codifica e valida com o mesmo padrão.
- Segurança psicológica: clareza reduz conflitos e “achismos”.
- Escalabilidade: novos membros entendem rapidamente como entregar.
Sem clareza, “pronto” vira opinião. Com DoR/DoD, vira compromisso verificável.
Erros comuns (e como evitar)
- Checklists longos demais: comece essencial, evolua por inspeção/adaptação.
- Copy-paste de outro time: adapte à sua realidade tecnológica e de negócio.
- Esquecer observabilidade e segurança: inclua cedo; tirar depois é caro.
- Não medir: sem métricas, a conversa volta a ser subjetiva.
- Não treinar o negócio: DoR/DoD não é só do time técnico; PO e stakeholders precisam jogar junto.
Como implementar no Departamento (passo a passo)
- Workshop de alinhamento (2h)
- Apresentar dores atuais (retrabalho, bugs pós-release, atrasos).
- Mostrar o propósito de DoR/DoD e benefícios.
- Co-criar a versão 1.0 dos checklists por squad (máx. 10 itens cada).
- Padronizar o mínimo organizacional
- Defina 5–7 itens obrigatórios para todo o departamento (ex.: testes críticos, revisão de código, segurança básica, observabilidade).
- Permita variação por produto/tecnologia acima desse mínimo.
- Integrar ao fluxo de trabalho
- DoR: gate no refinamento/planning. Cartões que não passam não entram.
- DoD: gate de merge/deploy. Sem DoD cumprida, não fecha.
- Ferramentas
- Templates na ferramenta de gestão (Jira/Azure Boards/Trello).
- Pull request checklist (GitHub/GitLab/Bitbucket).
- Pipelines que checam testes e cobertura mínima.
- Dashboards (observabilidade) prontos para novas features.
- Treinamento contínuo
- Onboarding inclui DoR/DoD.
- Revisão trimestral dos checklists (retrospectivas ampliadas).
- Governança leve
- Um “Chapter Qualidade” ou “Tech Excellence” para manter coerência, sem burocratizar.
- Auditorias amigáveis: amostragem de itens entregues por sprint para verificar aderência.
Métricas para provar valor (antes e depois)
- Lead Time por tipo de item.
- Taxa de retrabalho (histórias reabertas ou bugs pós-release por release).
- Defeitos em produção (por 1.000 linhas/por funcionalidade).
- Taxa de cumprimento de DoR/DoD (itens que passaram sem exceções).
- MTTR (tempo médio para recuperar).
- Satisfação do time (pulse survey mensal).
- Satisfação do cliente/usuário (NPS/CSAT da funcionalidade).
Registre uma linha de base por 4–6 semanas e compare após 2–3 ciclos.
Exemplos práticos de critérios
Critérios de aceitação (Given/When/Then)
- Given que o usuário está autenticado, When acessa a página de faturas, Then deve ver apenas suas próprias faturas em até p95 ≤ 800 ms.
Observabilidade na prática
- Logs com correlação de request-id.
- Métricas de negócio (ex.: taxa de conversão do funil impactado).
- Alerta acionável (limite, playbook e responsáveis definidos).
Segurança aplicada
- Check automático de dependências vulneráveis no CI.
- Dados sensíveis mascarados em logs.
- Revisão de ameaças (risk checklist) para endpoints novos.
Perguntas frequentes
“Vai desacelerar?”
No começo, um pouco. Em 2–3 sprints, a redução de retrabalho compensa e acelera o fluxo.
“E quando precisar flexibilizar?”
Permita waivers excepcionais, com motivo registrado e plano de mitigação. Sem virar regra.
“Pode ser diferente por squad?”
Sim, acima do mínimo comum. O contexto de plataforma, mobile, data ou produto pede nuances.
Call to action
- Marque um workshop de 2 horas nesta semana para cocriar a DoR/DoD 1.0.
- Ative os checklists na ferramenta e no pipeline já no próximo ciclo.
- Meça 3–4 métricas-chave por 60 dias e exponha os resultados.
- Ajuste trimestralmente. Disciplina leve, evolução contínua.
Resultado esperado: menos surpresa, mais entrega com confiança.
Quando “pronto para começar” e “pronto de verdade” são inequívocos, o time trabalha melhor, o cliente sente a diferença e o departamento ganha reputação de previsível, seguro e rápido.
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