Para entender o seu caso, primeiro precisamos clarear os conceitos:
a) Acidente de Trabalho Típico (Lei nº 8.213/91, Art. 19)
É o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados especiais, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. Em outras palavras, é o acidente que acontece no local e durante o horário de trabalho, diretamente relacionado com a atividade profissional.
- Exemplo: Um operador de máquina que sofre um corte na mão enquanto manuseia o equipamento na fábrica.
b) Acidente de Percurso (Equiparado a Acidente de Trabalho – Lei nº 8.213/91, Art. 21, IV, “d”)
Também conhecido como acidente de trajeto, é aquele que ocorre no trajeto entre a residência e o local de trabalho ou vice-versa, independentemente do meio de locomoção utilizado, desde que não haja interrupção ou desvio significativo no percurso. A finalidade deste tipo de acidente é equipará-lo ao acidente de trabalho típico para fins de benefícios previdenciários e estabilidade provisória.
- Exemplo: Um funcionário que sofre um acidente de trânsito a caminho do trabalho, pela manhã, ou retornando para casa após o expediente.
2. Análise do Caso Específico: Acidente Indo para Casa Almoçar
A situação que você descreve — um acidente sofrido por um funcionário indo para casa almoçar — geralmente NÃO configura nem acidente de trabalho típico, nem acidente de percurso.
Vamos entender o porquê:
- Não é Acidente de Trabalho Típico: Durante o horário de almoço, o contrato de trabalho está em período de interrupção ou suspensão, dependendo da interpretação. O funcionário não está à disposição da empresa, nem executando suas atividades laborais. Ele está em um período de descanso para suas necessidades pessoais.
- Não é Acidente de Percurso: O acidente de percurso se refere ao trajeto casa-trabalho ou trabalho-casa nos inícios e fins de jornada. A ida para o almoço (e a volta) constitui uma interrupção da jornada de trabalho, não o início ou fim dela. O funcionário, ao sair da empresa para almoçar, está em seu tempo livre, sob sua própria responsabilidade, e não mais no trajeto de ida ou volta do trabalho que caracteriza o acidente de percurso.
Base Legal para esta interpretação: A jurisprudência trabalhista e previdenciária majoritária entende que o período de intervalo intrajornada (almoço) é de descanso do trabalhador. Acidentes que ocorrem nesse período, fora das dependências da empresa e sem qualquer relação com a execução do trabalho, são considerados acidentes comuns, não dando direito aos benefícios e estabilidades concedidos nos acidentes de trabalho.
Exceções e Nuances (Quando Poderia Ser Diferente):
Embora a regra geral seja a que apresentei, existem situações muito específicas que poderiam alterar essa classificação:
- Realizando Tarefa a Pedido da Empresa: Se o funcionário estivesse indo para casa almoçar, mas, no trajeto, foi solicitado pela empresa a realizar alguma tarefa específica (ex: ir ao correio, comprar algo para o escritório), e o acidente ocorreu durante essa tarefa, aí sim poderia ser configurado como acidente de trabalho.
- Transporte Fornecido pela Empresa: Se a empresa fornece o transporte para o almoço (ex: van da empresa que leva os funcionários para casa ou restaurante conveniado), e o acidente ocorre nesse transporte, a situação pode ser equiparada a acidente de trabalho, pois o empregado está sob a responsabilidade e o controle da empresa.
- Local de Refeição Designado pela Empresa: Se a empresa, por alguma razão, determinasse que o funcionário almoçasse em casa e não houvesse outra opção disponível (uma situação bastante atípica), poderia haver margem para discussão, mas é uma argumentação mais frágil.
No cenário mais comum de “indo para casa almoçar” por conta própria, a classificação será de acidente comum.
3. Recomendações Passo a Passo para o Empregador
Considerando a interpretação mais comum de que este não é um acidente de trabalho ou de percurso, as ações da empresa devem ser:
Passo 1: Apuração Detalhada dos Fatos
- Ação: Converse com o funcionário e, se possível, com testemunhas. Colete o máximo de informações sobre o ocorrido: local exato, horário, o que estava fazendo no momento (apenas se deslocando para almoço?), se houve alguma determinação da empresa para aquele deslocamento, etc.
- Objetivo: Confirmar se não se enquadra em nenhuma das exceções que poderiam caracterizá-lo como acidente de trabalho.
Passo 2: Oferecer Suporte e Orientação
- Ação: Demonstre preocupação com o bem-estar do funcionário. Oriente-o a buscar atendimento médico imediato, se ainda não o fez. Ofereça auxílio para o deslocamento até a unidade de saúde, se necessário.
- Objetivo: Cuidado com o funcionário e imagem da empresa.
Passo 3: Avaliação Médica e Atestado
- Ação: O funcionário deve apresentar o atestado médico, caso seja necessário afastamento.
- Objetivo: Documentar a necessidade de afastamento e o período.
Passo 4: Gestão do Afastamento (Auxílio-Doença Comum)
- Ação:
- Primeiros 15 dias: A empresa é responsável pelo pagamento do salário integral do funcionário.
- A partir do 16º dia: Se o afastamento for superior a 15 dias (consecutivos ou intercalados dentro de 60 dias pela mesma doença), o funcionário deve ser encaminhado para a perícia médica do INSS para requerer o Auxílio-Doença Comum (Espécie B-31).
- Objetivo: Garantir a continuidade do benefício previdenciário e o cumprimento das obrigações legais da empresa.
Passo 5: NÃO Emitir a CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho)
- Ação: Como o evento não é considerado acidente de trabalho ou de percurso na interpretação comum, a empresa não deve emitir a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT). A emissão da CAT implica o reconhecimento do vínculo acidentário, o que traria obrigações e consequências diferentes (como estabilidade provisória no emprego ao retornar).
- Objetivo: Evitar responsabilidades indevidas e custos adicionais para a empresa.
Passo 6: Registrar o Ocorrido Internamente
- Ação: Mantenha um registro interno detalhado do acidente, incluindo a data, hora, descrição dos fatos, atestados médicos e as providências tomadas pela empresa.
- Objetivo: Ter um histórico para futuras consultas, auditorias ou caso a situação seja judicializada (o que é sempre uma possibilidade, mesmo que a interpretação legal seja desfavorável ao trabalhador neste caso).
Passo 7: Orientação ao Funcionário sobre Benefícios Previdenciários
- Ação: Explique ao funcionário que, nesse caso, ele terá direito ao Auxílio-Doença Comum (B-31) e as implicações disso (não há estabilidade provisória ao retornar, por exemplo).
- Objetivo: Transparência e clareza para o funcionário, evitando expectativas erradas.
Resumo Visual:
Imagine um “fluxo de decisão” para classificar o acidente:
+------------------------------------+
| Funcionário se acidenta indo para |
| casa almoçar? |
+------------------------------------+
|
V
+------------------------------------+
| Estava a serviço da empresa ou |
| realizando tarefa solicitada? |
| Ou usando transporte fornecido |
| pela empresa? |
+------------------------------------+
| Sim | Não
V V
+---------------------+ +---------------------+
| Possível Acidente | | Acidente Comum (não |
| de Trabalho | | é de trabalho) |
| (investigar a fundo)| +---------------------+
+---------------------+ |
| V
V +----------------------------------+
+---------------------+ | Emissão de CAT? |
| Emitir CAT (se | | NÃO |
| confirmado) | +----------------------------------+
+---------------------+ |
| V
V +----------------------------------+
+---------------------+ | Afastamento > 15 dias? |
| Auxílio-Doença | | SIM |
| Acidentário (B-91)| +----------------------------------+
| (+ estabilidade) | |
+---------------------+ V
+----------------------------------+
| Encaminhamento ao INSS para |
| Auxílio-Doença Comum (B-31) |
| (sem estabilidade provisória) |
+----------------------------------+
Importante: As informações fornecidas são para conhecimento geral e não substituem o aconselhamento jurídico especializado. Recomendo sempre consultar um advogado trabalhista ou previdenciário para analisar o caso específico e suas particularidades, garantindo a conformidade total com a legislação. Pedro Reis
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